sábado, 29 de outubro de 2011

Sombra e luz

Essa pode ser a última vez que eu lhe escrevo. É claro que eu não tenho certeza disso, ninguém pode ter certeza alguma depois de um naufrágio como esse, depois de uma tempestade como essa, que me levou pros lugares mais inóspitos e remotos no de dentro. Mas eu estou nadando.
Por mais que você não acredite, como faz questão de deixar claro, eu estou nadando. E tenho encontrado coisas muito bonitas pelos caminhos. É atemorizante dizer isso, mas, sabe?, tenho encontrado criaturas muito bonitas. Esse temor que eu falei e que se torna uma das correntes impossíveis que me amarram a nem eu sei o quê, não é meu, mas seu. Seu porque eu sei – e o pior, você sabe – que duas ou três frases e vêm câimbra e aquela dor impossível e eu paro de nadar e lá estou afundando de novo.
Isso tudo porque eu recorro em um erro, o de acreditar em você. Como eu disse, você não acredita que saí daqueles lugares escuros. E não sei se pra me convencer ou pra convencer a si mesmo, você de vez em quando me encontra e repete esse tipo de coisa. A princípio, eu chego a pensar que é um bote, uma espécie de resgate, mas na verdade você se aproxima pra esticar o braço na minha nuca e afundar a minha cabeça até eu perder o fôlego. Justamente esse braço que antes era o meu aconchego.
Depois de muita luta, eu consigo emergir e respirar fundo, mas quando menos espero, justamente quando encontro aquelas criaturas tão bonitas, lá vem o falso-resgate novamente pra me jogar no fundo. Depois de algumas voltas, eu finalmente entendi o sentido do bote. Você fala que se preocupa comigo, mas a sua preocupação não é outra senão você mesmo. A partir do momento em que o seu bem significar o meu mal, é o meu mal que você vai querer. Quando você precisar afundar a minha cara pra conseguir respirar, é exatamente isso que você vai fazer. As pessoas no geral são egoístas, mas algumas extrapolam.

Pausa.

Eu comecei isso aqui querendo que fosse algo positivo, mas tudo o que eu escrevo para ou em relação a você acaba sempre acumulando aquele ranço e virando qualquer coisa mais escura. Eu não quero ser assim. Eu tenho lutado contra essas negatividades como nunca, sabia? As atividades físicas viraram uma espécie de ritual e às vezes eu até consigo acordar cedinho. Tenho tomado chá quase todos os dias, cada vez um sabor diferente naquela caneca que eu trouxe de Londres (e só nela, porque aí eu até acredito um pouquinho que o chá é como aqueles da Inglaterra). E tenho ouvido música francesa, visto filmes leves... Tenho lido muito sobre a esquerda, e isso sempre é um pouco desesperançoso. Mas você sabe que é necessário, então não me culpe por isso. Estou procurando um terapeuta também, lento e meio fugitivo, mas estou.
O ponto principal disso tudo e que eu ainda não consegui esclarecer é que essa pode ser a última vez que eu lhe escrevo. Porque quando cumpro as regras direitinho e cuido da minha cabeça, do meu corpo e de mim, eu consigo ver as coisas de outra maneira. Eu consigo ver as coisas mais leves. Eu até consigo, vez em quando, sentir uma coisa boa aqui dentro. Não por você, como eu lhe disse uma vez (mesmo sem fôlego), mas pelo que a gente foi. Lembra aquilo das saudades? Que elas não são suas, não são direcionadas a uma pessoa, mas são minhas. São saudades de como eu me sentia, e se é assim, eu ainda posso me sentir daquela maneira de novo. Depende de mim, não de você, entende?
Ainda esses dias, eu vislumbrei lá de longe uma possibilidade de que isso que eu sinto pode se tornar algo bonito um dia. Por mais que trilhe caminhos tortuosos e alterne sombra e luz, como eu to fazendo nesse momento, pode sim se tornar algo bonito. Eu preciso acreditar nisso. 

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