quarta-feira, 16 de novembro de 2011

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Só o Chico

Por mais que algumas vezes, ou quase sempre, eu reme contra, a vida tem dado um jeito de trazer dias de sol pra cá. Olha que lugar-comum eu vou falar agora, mas é isso mesmo, é nas pequenas coisas que a gente consegue se apoiar e quando se dá conta, está quase de pé outra vez. Ainda meio trêmulo, caindo aqui e ali, mas caminhando com as próprias pernas.
Já reconheço que existe vida além e realmente consigo me interessar por outras casas, pessoas, comidas e assuntos. Li outro dia que o sagitariano é interessante por ler muito, ou ouvir muita música, ou ver muitos filmes, ou tudo isso ao mesmo tempo. Esse tipo de coisa ajuda a tirar a gente lá do fundo.
São pequenos encontros que de repente se tornam tão interessantes, que. Lembra quando a gente encontrou a Maria Bethânia meio bêbada no avião, ainda naquele primeiro dia, e logo em seguida, todos aqueles bárbaros tão doces cantaram Atiraste uma Pedra, e "você gosta dessa música?"? Claro que gosto, ela diz tanto... E essas pequenas descobertas são como explosões que me fazem querer conhecer mais das tuas músicas, dos teus filmes, te mostrar mais um pouco dos meus livros.
Já é possível até deixar escapar algumas confissões. Primeiro, eu não queria nem ouvir quando você disse que os novos paulistas não têm peso, eu protestei. Mas aí quando a gente compara Jeneci, Tiê, Tulipa e Roberta Sá a Caetano, Bethânia e Gal, eu até que entendi o seu lado e não que eu concordasse inteiramente, mas resolvi ficar calado porque qualquer opinião mais extremada ali seria meio burra. E como é difícil alguém conseguir me fazer ficar calado, falo isso da maneira mais positiva possível, compreende?
Daí aparece a Maria Rita e admitimos que ela não é tudo isso, mesmo sendo tudo isso algumas vezes. Vejo aquela versão e "não, ninguém pode interpretar o Chico além do Chico. E da Bethânia, mas só ela". E nesses momentos, nesses momentos pequenos, querendo se passar por desimportantes, eu percebo que me dá vontade de rir, de rir de verdade. Sem fingimento, sem olhos marejados, eu de fato quero mostrar os dentes e pensar que só o Chico pode cantar as músicas dele pra mim enquanto ganho um cafuné. 
E que bom conseguir enxergar esse tipo de coisa, que bom conseguir ver que ainda existe alguma espontaneidade e que ainda existe vontade de sorrir vez em quando. Que bom que nem tudo tá assim tão seco quanto eu imaginava.


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Acima da saudade, do tesão, das conversas, o que me leva mais lá no fundo é essa sensação de desamparo. Porque assistir um filme desses que te deixam sentindo indefeso e com vontade de gritar desesperadamente pra que alguém entenda o que tu estás sentindo e te dê um abraço, te faça um chá, apareça com alguma pílula ou qualquer coisa desse tipo e não ter a quem recorrer dói. 
E antes eu recorreria a ti. Ainda é o teu número que eu chego a discar no celular antes de desistir. E ele nem tá mais gravado na agenda, queria que fosse fácil do mesmo jeito tirá-lo da cabeça. É esse desamparo o que mais dói, essa sensação de não ter pra quem ligar em uma madrugada de segunda-feira depois de ver um filme daqueles. É, é isso o que mais dói.

Vai passar

"Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa."


Caio F.

Inverno


No dia em que fui mais feliz, eu vi um avião. E ele não se espelhou no seu olhar até sumir. Na verdade, ele se espelhou no meu olhar, porque eu era o único par de olhos ali. O único que tinha algum sentido, eu quero dizer, porque em um aeroporto internacional de uma capital européia, a gente encontra todos os tipos de par de olhos. São azuis, arregalados, negros, puxados, sonolentos, radiantes ou encharcados de lágrimas. Mas de olhos que realmente importassem pra mim ali no meio de toda aquela gente, só mesmo os meus.
E os meus estavam embotados por uma ansiedade que eu nunca havia sentido antes. Ansiedade que me fez passar a noite em claro fantasiando o dia seguinte, o dia que você ia me receber com os braços abertos e eu ia ouvir a sua voz de novo, de novo no meu ouvido, sem telefone, computador ou qualquer máquina entre a gente. Era assim que eles estavam, os meus olhos, cansados e sonolentos pela madrugada insone, mas vidrados no avião. Aquele avião enorme que me tiraria dali e me levaria de volta pra casa. Home is where the heart is, lembra?
Eu embarquei e a sensação que eu esperava, a sensação que todos esperavam de mim era guardar com saudade aqueles lugares frios, guardar as águas termais de Budapeste, as construções milenares atenienses, guardar comigo o gosto do café e dos cigarros de Paris e as canções daqueles fins de tarde venezianos. Guardar comigo aquele crepúsculo na Piazza Spagna em Roma e a valsa vienense tocando, todos aqueles espetáculos... Eu ao menos poderia ter olhado praquilo tudo, praquele país, praquele continente inteiro e lamentado um pouquinho porque, quem sabe?, aquela poderia ser a última vez que os meus olhos embotados miravam essas coisas.
Mas não importava. Lembra que eu te fiz uma ligação logo antes de embarcar? Eu disse que tinha perdido uma conexão e que só poderia voltar na semana seguinte, mas é claro que você não acreditou. Não acreditou porque mesmo sem conseguir ver os meus olhos marotos contando mentiras, você podia ouvir a minha voz entusiasmada. E eu era inteiro felicidade. Eu não cabia em mim, aquela sensação de te ver ainda essa noite, de te abraçar e sentir o teu cheiro de novo, aquela idéia de que finalmente passaríamos mais uma noite juntos, como antigamente. Sem dar boa noite pelo computador, sem dormir te olhando através daquela tela ao lado da cama e acordar aflito no meio da noite porque a conexão com a internet caiu.
Eu vi o avião e foi ali que começou a felicidade. A partir daquele momento, eu tinha certeza que o antigamente voltaria. Embarquei e comecei a chorar no mesmo instante. Ninguém nas poltronas do meu lado, tiraram a criança italiana que não parava de chorar da fileira atrás de mim, as opções de filme eram razoáveis. Paz. O avião nem tinha deixado o solo e a minha cabeça já havia cruzado o oceano, como tantas vezes antes.
Senti frio e pensei que aquela era a última vez. A última vez que eu sentiria frio, porque logo mais... As lágrimas continuavam caindo e eu não fazia o menor esforço para cessá-las porque elas eram boas, eram de pura felicidade. Eu já estava olhando aquele velho continente de cima e logo ele começou a se afastar, o oceano estava aos meus pés, eu acompanhava na tela em frente à poltrona a distância que faltava, e era tanta, e demorou tanto, e foi tanto-tanto. Mas chegou e eu não podia acreditar, Brasil de novo, eu podia conversar e ser entendido sem maiores complicações e, meu Deus, você estava logo ali fora da sala de embarque bem do jeito que eu te deixei. Como antigamente.
Mas a fila da imigração estava impossível e as pessoas queriam conversar, mas meus olhos não se concentravam nelas, eu olhava o duty free e pensava no perfume que poderia comprar pra te agradar. Não mais um presente, já eram tantos, mas pra eu usar, porque eu queria que você gostasse do meu cheiro mais uma vez, como antigamente. Não achei o perfume, “moço, o senhor tem flores?”, não havia flores. A fila impossível, “próximo!”, era minha vez; “Bem vindo ao Brasil, senhor”. O coração disparado, dis-pa-ra-do.
Eu olhava pelo vidro e não te encontrava, meu Deus, aconteceu alguma coisa? Seu vôo atrasou? Você não estava esperando por mim,eu ficaria sozinho ali? As malas não chegavam, pedi ajuda pra funcionária da companhia, “por favor, as minhas malas”. Não havia mais bagagens nas esteiras, talvez seja uma dessas separadas aqui no canto. Era. Peguei correndo, a saída era logo ali, logo ali estava você, logo ali na saída. As lágrimas se anteciparam e chegaram antes de mim.
Mas os homens queriam revistar as minhas malas, “por que duas tão grandes , senhor?”. Foram meses fora, meses, vocês entendem?, meses sem você, meses sem tantas coisas. E foram meses de inverno, meses de neve, então é claro que são tantas malas, porque têm casacos e botas, além dos presentes, muitos presentes. Porque eu gosto de dar presentes e eram tantas as coisas que me lembravam você...
Finalmente, saí e você estava ali. A gente não precisou se olhar, a gente queria a pele, o toque, o cheiro. E foi um abraço, foi o melhor abraço da minha vida, você lembra? Posso ter milhares de reclamações sobre tudo a nosso respeito, mas a intensidade... Aquele abraço que me fez esquecer malas, computador, tudo que antes valia alguma coisa estava perdido, éramos só nós dois naquele saguão cheio. E as palavras faltaram, as mãos não sabiam onde ficar, só procuravam pelo teu corpo, pelo teu rosto. Um cigarro. Dois cigarros. No terceiro, a gente já conseguia conversar e o sorriso não saía do rosto, lembra? Como antigamente.
Você chamou o táxi. Você resolveu tudo, e isso é uma das coisas que me fez enlouquecer de amor, e você sabe perfeitamente disso. Eu não sabia de hotel, não sabia de praia, não sabia de jantar, não sabia de nada. Eu não sabia de música e nem de pétalas de rosas pela cama. Ali estava a felicidade, nesse não se importar por não saber. Mais, nesse fazer questão de não saber, nesse confiar de olhos vendados (literalmente, lembra?). Felicidade. Fe-li-ci-da-de.
A ligação pros amigos, “já estou no Brasil, aproveitem essa festa de aniversário no sítio. Divirtam-se, amo vocês. Dentro de dez dias,”. Era aquele momento, aquilo era a felicidade. Aquilo era antigamente. Aquilo foi pelo que eu vivi os últimos meses. Mas passou. Como tudo, passou. O antigamente ficou pra trás, como tinha de ser. Ainda assim, esse foi o dia em que fui mais feliz. Foi o dia em que eu vi um avião, o resgate que me levou de volta ao antigamente, me levou pra onde o meu coração estava, me levou pra casa.  

sábado, 5 de novembro de 2011

Talvez

Ontem eu entrei naquele torpor de quem bebe cerveja e escuta Chico Buarque demais. E por alguma saudade que anda incoerentemente perdida aqui dentro, afastei as cortinas negras que coloquei entre nós já há tanto tempo. Talvez nem seja assim "tanto tempo", mas o fato de já não sair mais muito sangue do corte, de ele já não estar mais quente e latejando a ponto de doer profundamente, faça com que esse tempo que passou me pareça assim, "tanto". 
Então foi assim, no meio do torpor de quem bebe cerveja e escuta Chico Buarque demais, eu afastei as cortinas negras. Esperava que elas revelassem qualquer coisa de bonito, qualquer coisa que fosse me matar de saudades, qualquer coisa que fosse abrir de novo a ferida e me causar dor até a loucura. Mas não foi assim.
Ele mudou. O que é natural, eu mesmo mudei. Me referir a ele assim, na terceira pessoa do singular, é uma das resoluções de mudança. Ontem eu li em algum lugar uma frase que dizia mais ou menos assim "tudo o que fazemos na vida é para sermos um pouco mais amados por alguém". É a mais pura verdade. Mesmo que esse amor venha de nós mesmos. É o tipo de coisa que a resolução da terceira pessoa do singular tá fazendo comigo, me ajudando a me amar um pouquinho mais. 
Mas o que eu dizia é que as cortinas negras revelaram uma pessoa diferente. Diferente em certa medida, porque eu acho que na verdade essa pessoa revelada pelas cortinas negras estava lá em algum lugar o tempo todo e eu sabia disso, só não conseguia mais ver. Porque isso é uma coisa muito clara pra mim hoje, eu via nele o que eu queria ver. Afinal, "amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende?". E não ver aquelas coisas que possivelmente sempre estiveram ali foi uma escolha.
O ponto é que assim, afastado, eu consegui ver essas coisas. E achei sujo. 
Vi a transformação de uma pessoa. Transformação em algo que eu considero pior, mas essa opinião não vale de nada porque eu sei o tipo prepotente e dono-da-verdade que sou. Enxerguei alguém quase irreconhecível, alguém que eu talvez tenha quase conhecido ali no começo de tudo. E isso me traz mais uma impressão positiva, porque significa que ele mudou por mim. Seja lá que significado isso assuma, é uma coisa boa pra mim. E agora, eu penso mais no que é bom pra mim do que no que é bom pra qualquer outra pessoa. 
E talvez, no fim disso tudo, ele nem tenha de fato mudado, como eu suponho. Talvez o que as cortinas negras revelaram foi exatamente o que ele era desde o princípio, o que eu não enxergava e o que eu moldei. E agora ele talvez tenha voltado a ser precisamente o que sempre foi antes de eu existir. Na verdade, a pessoa que eu conheci nunca existiu, ela estava na minha cabeça e na capacidade de simulação que ele sempre teve, e em algum lugar lá no fundo, eu sempre soube disso. 
E encarando positivamente, se o objeto do amor nunca existiu, como esse amor pode ter existido? Talvez em mim, talvez esse amor tenha sido inteiro meu e eu apenas precisasse direcioná-lo a alguém. E sendo assim, ele continua aqui, pronto pra ser redirecionado quantas vezes forem necessárias, até todos os cortes pararem de sangrar, todas as dores pararem de latejar e todas as lágrimas pararem de cair.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Meu despedaço,

Que despedaço era a pessoa quando vivia. E viver era a arte de encontrar, dar-de-encontro. Viver esbarrando, deixando o perfume no outro e levando o do outro na roupa. Embebedar de cheiros. Chamar a atenção puxando pelo ombro, pela nuca ou pelas mãos. Segurar firme, misturar o suor. Cair por cima do colo, dar um nó com as pernas. - Que despedaço era você em tudo. Despedaçar era arrancar um pedaço pelo outro, um pedaço seu pelo do outro. Era trocar. E conseguir porque não é assim tão simples. Que você não sabia simplesmente deixar suas partes, mas jogava por cima das pessoas, como num gesto desleixado e preguiçoso, igual quando você se atira no sofá da sala. Também não tinha cuidado de pegar as partes delas que lhe cabia, mas metia as mãos e roubava faminto. Ia colecionando pela vida des-pedaços bonitos, embora pareça feio dito assim. Que não tinha nada de ruim em deixar a cor dos teus olhos azúis pelo mundo nem roubar a transparência daqueles mares pra trazer no bolso. E que o despedaço do amor era viver e disso você entendia. 

- Das tristes Anotações sobre um amor urbano.

Da Bárbara, do café pequeno

Já perdemos mais, já perdemos melhores.
Eu até pediria desculpas por não saber. Por quase nunca saber. E continuar não sabendo, não só sobre a realidade das coisas, das pessoas e do mundo, mas por não saber nunca sobre o caráter escorregadio dessas coisas, pessoas e do mundo. Não sei. Não sei o que tirar de bom de uma perda. De uma grande perda, de uma perda abissal, não há nada, nada que eu possa tirar de bom. Perdas não nos tornam maiores, melhores, não amolecem corações, veja que não, não tem nada de belo nessas grandes perdas. Não há nada de romântico, artístico, renascentista, iluminista numa grande perda. Não há art noveau, não há impressionismo, surrealismo numa grande perda. Depois de uma grande perda, de uma perda enorme, não há nada que compense. Não há recompensa, cafuné, mão na cabeça, colo, calma-tudo-vai-melhorar, sexo-de-reconciliação, bebida forte. Nas grandes perdas, só ficamos mais frágeis. Nas perdas grandes, fotos e nomes se perdem também. Nessas perdas enormes, grandes, nem indignação, que é tão bom que se tenha, sobra. Uma perda grande, uma perda abissal, muito grande mesmo, leva embora muita coisa. Numa grande perda, tudo demora em ser tão ruim. Mas das perdas grandes, uma coisa, uma coisa se aproveita, é saber diferenciar o que é uma perda grande, uma perda enorme, uma perda abissal, sem volta, e o que é uma perda pequena, uma perda  sem valor, uma perda sem foguete, sem retrato e sem bilhete, uma perda tão corriqueira, tão corriqueira, lugarzinho-comum, perdas onde não se chora, nem briga, nem desbriga. Perda grande, perda enorme é quando se perde grandes pessoas, essas que tem a graça da alegria, da vida em sua plenitude e beleza, essas admiráveis, essas que podemos dizer que "nunca conheci igual". Mas quando a perda é grande, é enorme, é gigante, é abissal, maior do mundo, há que se chorar, uivar no telhado de madrugada, brigar e desbrigar, só quando é grande, enorme, gigante, abissal, maior do mundo, só nesse caso. Mas as grandes perdas são poucas, porque poucas são as grandes pessoas.

sábado, 29 de outubro de 2011

Sombra e luz

Essa pode ser a última vez que eu lhe escrevo. É claro que eu não tenho certeza disso, ninguém pode ter certeza alguma depois de um naufrágio como esse, depois de uma tempestade como essa, que me levou pros lugares mais inóspitos e remotos no de dentro. Mas eu estou nadando.
Por mais que você não acredite, como faz questão de deixar claro, eu estou nadando. E tenho encontrado coisas muito bonitas pelos caminhos. É atemorizante dizer isso, mas, sabe?, tenho encontrado criaturas muito bonitas. Esse temor que eu falei e que se torna uma das correntes impossíveis que me amarram a nem eu sei o quê, não é meu, mas seu. Seu porque eu sei – e o pior, você sabe – que duas ou três frases e vêm câimbra e aquela dor impossível e eu paro de nadar e lá estou afundando de novo.
Isso tudo porque eu recorro em um erro, o de acreditar em você. Como eu disse, você não acredita que saí daqueles lugares escuros. E não sei se pra me convencer ou pra convencer a si mesmo, você de vez em quando me encontra e repete esse tipo de coisa. A princípio, eu chego a pensar que é um bote, uma espécie de resgate, mas na verdade você se aproxima pra esticar o braço na minha nuca e afundar a minha cabeça até eu perder o fôlego. Justamente esse braço que antes era o meu aconchego.
Depois de muita luta, eu consigo emergir e respirar fundo, mas quando menos espero, justamente quando encontro aquelas criaturas tão bonitas, lá vem o falso-resgate novamente pra me jogar no fundo. Depois de algumas voltas, eu finalmente entendi o sentido do bote. Você fala que se preocupa comigo, mas a sua preocupação não é outra senão você mesmo. A partir do momento em que o seu bem significar o meu mal, é o meu mal que você vai querer. Quando você precisar afundar a minha cara pra conseguir respirar, é exatamente isso que você vai fazer. As pessoas no geral são egoístas, mas algumas extrapolam.

Pausa.

Eu comecei isso aqui querendo que fosse algo positivo, mas tudo o que eu escrevo para ou em relação a você acaba sempre acumulando aquele ranço e virando qualquer coisa mais escura. Eu não quero ser assim. Eu tenho lutado contra essas negatividades como nunca, sabia? As atividades físicas viraram uma espécie de ritual e às vezes eu até consigo acordar cedinho. Tenho tomado chá quase todos os dias, cada vez um sabor diferente naquela caneca que eu trouxe de Londres (e só nela, porque aí eu até acredito um pouquinho que o chá é como aqueles da Inglaterra). E tenho ouvido música francesa, visto filmes leves... Tenho lido muito sobre a esquerda, e isso sempre é um pouco desesperançoso. Mas você sabe que é necessário, então não me culpe por isso. Estou procurando um terapeuta também, lento e meio fugitivo, mas estou.
O ponto principal disso tudo e que eu ainda não consegui esclarecer é que essa pode ser a última vez que eu lhe escrevo. Porque quando cumpro as regras direitinho e cuido da minha cabeça, do meu corpo e de mim, eu consigo ver as coisas de outra maneira. Eu consigo ver as coisas mais leves. Eu até consigo, vez em quando, sentir uma coisa boa aqui dentro. Não por você, como eu lhe disse uma vez (mesmo sem fôlego), mas pelo que a gente foi. Lembra aquilo das saudades? Que elas não são suas, não são direcionadas a uma pessoa, mas são minhas. São saudades de como eu me sentia, e se é assim, eu ainda posso me sentir daquela maneira de novo. Depende de mim, não de você, entende?
Ainda esses dias, eu vislumbrei lá de longe uma possibilidade de que isso que eu sinto pode se tornar algo bonito um dia. Por mais que trilhe caminhos tortuosos e alterne sombra e luz, como eu to fazendo nesse momento, pode sim se tornar algo bonito. Eu preciso acreditar nisso. 

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Porque não é que o vaso-velho me incomode tanto. Quero dizer, ele já foi bastante inconveniente quando eu insistia em colocá-lo ali no meio da sala refletindo todas as luzes da minha casa e da minha vida. Só que em determinado ponto, eu aprendi que por mais apego que a gente tenha, a gente sempre pode contar com outro ou outros vasos. De início, eles podem parecer desinteressantes porque a gente se habituou ao vaso-velho ou talvez ao lugar que ele ocupava.
Mas é possível, é possível substituir os vasos, mesmo naqueles lugares centrais, e afastar o vaso-velho pra algum quarto mais escuro onde a gente quase nunca entre. E ali ele já não incomoda tanto, como eu dizia no início. A questão é que cedo ou tarde, a gente vai precisar entrar no quarto mais escuro e topar com o vaso-velho e certamente isso será mais fácil se tivermos um ou mais vasos novos e brilhantes nas nossas mãos.

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Eu reli esse texto e descobri que não falei tudo o que queria falar não liberei a minha a-gres-si-vi-da-de não disse não adianta colocar o vaso-velho em um canto a gente precisa quebrá-lo em mil pedacinhos pulverizá-lo de uma maneira que ele saia da nossa vida e do mundo pelo menos por enquanto por mais negativo que isso seja ainda mais pra alguém como eu que tenho tentado não fumar durante a semana, tomar chá diariamente e fazer exercícios físicos talvez só assim agora pra paz chegar aqui só fazendo o vaso-velho explodir-morrer.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011


At first, I was afraid, I was petrified. I kept thinking I could never live without you by my side. But then I spent so many nights just thinking how you done me wrong; I grew strong, I learned how to get along.
And so you're back from outer space. I just walked in to find you here without that look upon your face. I should have changed my fucking lock, I would have made you leave your key, If I'd have known for just one second you'd be back to bother me.
Oh, now go, walk out the door. Just turn around now, you're not welcome anymore. Weren't you the one who tried to break me with desire? Did you think I'd crumble? Did you think I'd lay down and die?
Oh not I... I will survive. As long as I know how to love, I know I'll be alive. I've got all my life to live, I've got all my love to give. I will survive. I will survive.
It took all the strength I had just not to fall apart. I'm trying hard to mend the pieces of my broken heart. And I spent so many nights just feeling sorry for myself, I used to cry. But now I hold my head up high.
And you'll see me with somebody new. I'm not that stupid little person still in love with you. And so you thought you'd just drop by, and you expect me to be free. But now I'm saving all my lovin' for someone who's lovin' me.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Quando o tapa-buraco vira o próprio buraco

Hoje eu não recebi uma mensagem. Já percebeu como às vezes essa ausência das coisas é mais fácil de sentir do que as presenças em volta da gente? Mas vamos à mensagem - ou à falta dela. Hoje deu pra perceber que essa falta chegou a roçar em algum lugar mais embaixo do que eu pensava que poderia chegar. Porque a idéia era que essas mensagens que você manda tivessem leveza, entende? Que os alertas no celular chamassem a minha atenção, mas não a prendessem. Porque eu tô em um momento que preciso de coisas-leves-que-me-chamem-a-atenção-mas-não-a-prendam, senão a minha cabeça se concentra inteira no feio, pesado e fundo.
Se não houver as suas mensagens, eu vou entrar no escuro. Sei que vou porque eu já estive lá várias vezes. O escuro é um buraco. O Caio já falou sobre o perigo que é a gente entrar nessas, no "poço do poço". Primeiro a gente estranha, mas depois a gente se acostuma com o limo e com a sujeira. E de verdade, a gente acaba gostando de tudo que se forma no buraco ou no poço. Mesmo com a baixa luminosidade, mesmo sem o ar, a gente não deixa que as coisas que estão lá no fundo morram. A gente cultiva a sujeira e não permite que as coisas voltem a brilhar.
Pois é, é nesse buraco que eu tô metido e é dele que eu imaginava que você poderia me tirar. Mas não me tirar pra gente cavar outro buraco, e sim pra eu simplesmente ficar na superfície. No máximo, pra gente ficar na superfície. Lembra daquilo que eu falava no começo, da leveza?
E as coisas estão acontecendo da maneira certa. Eu encontrei um braço pra me tirar do buraco e me ajudar a tapá-lo. Você chegou aqui pra isso, não foi? Pra que eu conseguisse enterrar as sujeiras - e mesmo as belezas - do buraco. Porque sozinho, eu só ficaria contemplando isso tudo over and over again.
Só que hoje a ausência me fez perceber que a gente tá indo pro fundo. Talvez eu nem tenha chegado à superfície, talvez eu esteja cavando lateralmente ainda dentro do buraco, ainda com os cheiros do buraco, ainda com a umidade do buraco. Só que agora o buraco é menor. Ou está menor, porque quando a gente começa a cavar, é impossível prever até onde a coisa vai. E um buraco menor, você deve saber, é muito mais fácil de organizar. É muito mais fácil administrar os problemas e as ausências de buracos pequenos. Mesmo que eles continuem, apesar do tamanho, sendo o que são: buracos.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Logo naquele dia ensolarado que eu saí de casa cantando, logo naquele dia você tinha que me emudecer.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

às vezes incomoda a sensação de perceber a juventude escorrendo entre os meus dedos, então paro e percebo que já estou cansado demais pra mantê-los apertados contra o peito protegendo meus tesouros.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A Lua e suas estrelas coloridas derramadas pelo ombro

Pela primeira vez em inúmeras viagens de avião, ontem eu vi a lua de cima das nuvens. Talvez nem ela mesma compreendesse a verdade que havia ali em cima, longe de tanta interferência e materialidade. Porque o que importa mesmo é etéreo, energético, o que importa é a luz. 
Lá de cima, é possível ver a Lua mais perto e de certa forma isso a despe de vaidade. Não há mais véus, cores, não há mais nuvens entre nós. Assim despida, ela parece que resolve devassar suas fraquezas, e é precisamente isso que a torna mais misteriosa. Só quando a gente conhece alguma coisa bem de perto, cada cratera e cada curva, é que a gente consegue ver o mais fundo. É como se você lavasse a cara suja com maquiagem de ontem, expulsasse as tintas e a ressaca e se expusesse. 
Deixe que saibam que a luz na verdade não é sua, mas você a pega emprestada todas as noites pra que possa brilhar. E como você brilha, correndo solta por aí iluminando vários caminhos. Mas pela manhã, é hora de recolher os balangandãs e repousar.
É mais ou menos isso que eu quero dizer, esse lance da luz. Não interprete mal, a Lua não rouba a luz. Ela empresta. Na verdade, é como se a gente dividisse a nossa luz com ela, compreende? Porque a gente sabe que uma faísca já faz com que a Lua ilumine uma noite, uma vida inteira quem sabe.
Claro que nem todos os dias ela está devidamente alinhada, e às vezes míngua. E ela tem consciência disso. Ela dilacera isso. Ela cai abaixo das nuvens, abaixo do mar, rola pela lama, vai no mais fundo, abaixo de. E nesses momentos que a Lua precisa que a gente empreste um pouco do brilho a ela, a gente se recolhe. Porque parece que nos acostumamos a sorrir sob a luz que ela nos dá noite-após-noite, nos acostumamos a dançar despreocupados.  
Luz noturna. Quando ela está lá no fundo, está novamente despida, do mesmo jeito que está despida quando a gente voa acima das nuvens. Sem orgulhos ou vaidades, só a Lua. A Lua rodeada de suas estrelas coloridas caindo pelos ombros. Brilhando agora com uma luz negra que não expõe, mas acolhe a gente e coloca pra ninar. Nos livra dos olhos cruéis do mundo e não julga, mas aceita no momento preciso. Luz negra que parece mais segura que a manhã mais ensolarada, que mostra mais da gente mesmo do que a gente conseguiria refletir no espelho mais claro, que nos abraça e conforta mais que. Lua que nos coloca debaixo da asa, lá acima das nuvens, sem nem ter muita certeza da razão pela qual está fazendo isso. Mas faz.


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Beber é algo emocional. Faz com que você saia da rotina do dia-a-dia, impede que tudo seja igual. Arranca você pra fora do seu corpo e de sua mente e joga contra a parede. Eu tenho a impressão de que beber é uma forma de suicídio onde você é permitido voltar à vida e começar tudo de novo no dia seguinte. É como se matar e renascer. Acho que eu já vivi cerca de dez ou quinze mil vidas. 


Charles Bukowski

Para uma avenca partindo

Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe, dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? Olha, falta muito pouco tempo, e se eu não te disser agora talvez não diga nunca mais, porque tanto eu como você sentiremos uma falta enorme dessas coisas, e se elas não chegarem a ser ditas nem eu nem você nos sentiremos satisfeitos com tudo que existimos, porque elas não foram existidas completamente, entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma outra proibida, indevassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando meu raciocínio? Falava do mais fundo, desse que existe em você, em mim, em todos esses outros com suas malas, suas bolsas, suas maçãs, não, não sei porque todo mundo compra maçãs antes de viajar, nunca tinha pensado nisso, por favor, não me interrompa, realmente não sei, existem coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás e além das nossas mãos dadas, dos nossos corpos nus, eu dentro de você, e mesmo atrás dos silêncios, aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para observar, um fio de luz coado pela janela, um latido de cão no meio da noite, você sabe que eu não falaria dessas coisas se não tivesse a certeza de que você sentia o mesmo que eu a respeito dos fios de luz, dos latidos de cães, é, eu não falaria, uma vez eu disse que a nossa diferença fundamental é que você era capaz apenas de viver as superfícies, enquanto eu era capaz de ir ao mais fundo, você riu porque eu dizia que não era cantando desvairadamente até ficar rouca que você ia conseguir saber alguma coisa a respeito de si própria, mas sabe, você tinha razão em rir daquele jeito porque eu também não tinha me dado conta de que enquanto ia dizendo aquelas coisas eu também cantava desvairadamente até ficar rouco, o que eu quero dizer é que nós dois cantamos desvairadamente até agora sem nos darmos contas, é por isso que estou tão rouco assim, não, não é dessa coisa de garganta que falo, é de uma outra de dentro, entende? Por favor, não ria dessa maneira nem fique consultando o relógio o tempo todo, não é preciso, deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena, rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia, roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você precisava de muito espaço, claro, claro que eu compro uma revista pra você, eu sei, é bom ler durante a viagem, embora eu prefira ficar olhando pela janela e pensando coisas, estas mesmas coisas que estou tentando dizer a você sem conseguir, por favor, me ajuda, senão vai ser muito tarde, daqui a pouco não vai mais ser possível, e se eu não disser tudo não poderei nem dizer e nem fazer mais nada, é preciso que a gente tente de todas as maneiras, é o que estou fazendo, sim, esta é minha última tentativa, olha, é bom você pegar sua passagem, porque você sempre perde tudo nessa sua bolsa, não sei como é que você consegue, é bom você ficar com ela na mão para evitar qualquer atraso, sim, é bom evitar os atrasos, mas agora escuta: eu queria te dizer uma porção de coisas, de uma porção de noites, ou tardes, ou manhãs, não importa a cor, é, a cor, o tempo é só uma questão de cor não é? Por isso não importa, eu queria era te dizer dessas vezes em que eu te deixava e depois saía sozinho, pensando também nas coisas que eu não ia te dizer, porque existem coisas terríveis, eu me perguntava se você era capaz de ouvir, sim, era preciso estar disponível para ouvi-las, disponível em relação a quê? Não sei, não me interrompa agora que estou quase conseguindo, disponível só, não é uma palavra bonita? Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Dolorido-colorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender, melhor, claro que eu dou um cigarro pra você, não, ainda não, faltam uns cinco minutos, eu sei que não devia fumar tanto, é eu sei que os meus dentes estão ficando escuros, e essa tosse intolerável, você acha mesmo a minha tosse intolerável? Eu estava dizendo, o que é mesmo que eu estava dizendo? Ah: sabe, entre duas pessoas essas coisas sempre devem ser ditas, o fato de você achar minha tosse intolerável, por exemplo, eu poderia me aprofundar nisso e concluir que você não gosta de mim o suficiente, porque se você gostasse, gostaria também da minha tosse, dos meus dentes escuros, mas não aprofundando não concluo nada, fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem pensar definidamente e nada, mas não, não é isso, eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no centro e que um dia destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas coisas, espera um pouco, eu vou te dizer de todas as coisas, é por isso que estou falando, fecha a revista, por favor, olha, se você não prestar muita atenção você não vai conseguir entender nada, sei, sei, eu também gosto muito do Peter Fonda, mas isso agora não tem nenhuma importância, é fundamental que você escute todas as palavras, todas, e não fique tentando descobrir sentidos ocultos por trás do que estou dizendo, sim, eu reconheço que muitas vezes falei por metáforas, e que é chatíssimo falar por metáforas, pelo menos para quem ouve, e depois, você sabe, eu sempre tive essa preocupação idiota de dizer apenas coisas que não ferissem, está bem, eu espero aqui do lado da janela, é melhor mesmo você subir, continuamos conversando enquanto o ônibus não sai, espera, as maçãs ficam comigo, é muito importante, vou dizer tudo numa só frase, você vai ......... ............ ............. ............ .......... ........... ............. ............ ............ ............ ......... ........... ............ ............ sim, eu sei, eu vou escrever, não eu não vou escrever, mas é bom você botar um casaco, está esfriando tanto, depois, na estrada, olha, antes do ônibus partir eu quero te dizer uma porção de coisas, será que vai dar tempo? Escuta, não fecha a janela, está tudo definido aqui dentro, é só uma coisa, espera um pouco mais, depois você arruma as malas e as botas, fica tranqüila, esse velho não vai incomodar você, olha, eu ainda não disse tudo, e a culpa é única e exclusivamente sua, por que você fica sempre me interrompendo e me fazendo suspeitar que você não passa mesmo duma simples avenca? Eu preciso de muito silêncio e de muita concentração para dizer todas as coisas que eu tinha pra te dizer, olha, antes de você ir embora eu quero te dizer quê.

Caio Fernando Abreu

Orgulhagulha

Orgulho
agudo
agulha
afunda.

sábado, 27 de agosto de 2011

Sobre erros de português e escaladas

Uma das minhas características mais marcantes era abominar erros de português. Assim mesmo, direto e rabugento.
A gente espera de um relacionamento - além das flores, alegrias e sóis habituais - que ele nos permita crescer e quem sabe em seguida melhorar os próximos relacionamentos. Não me entenda mal, é claro que eu sei que durante o relacionamento a última coisa na qual a gente pensa é no próximo relacionamento, mas o próximo vai existir, quer a gente queira, quer não, porque é assim que as coisas funcionam.
Daí eu me enxergo escalando a montanha da tolerância e aprendendo, com você, a aceitar as coisas que eu mais abominei durante bons anos, como por exemplo os erros de português. A princípio, são positividades e crenças na retribuição cármica universal, mas quando a gente se dá conta, escala tantas montanhas virtuosas e vai querendo se transformar em algo tão divinamente bom, que em certo ponto acaba nem se reconhecendo mais.
E se abominar os erros de português fosse justamente o que há de mais verdadeiro e essencial em mim? E se é precisamente isso que me constrói assim do jeito que sou, e que em determinado momento me tornou perfeito pra você?
Quando a gente está no topo, descer é difícil. Pra baixo todo santo ajuda não é válido pras nossas neuroses pequeno-burguesas. Tirar as máscaras que construímos e ajustamos durante uma vida inteira um com o outro revela pelos, rugas e cicatrizes. Mas acima disso, revela quem de fato somos e negá-lo é inútil.
Resta ao amor provar a força dos seus exércitos combalidos e entrar em mais essa batalha pra descobrir enfim se é capaz de superar o que há de mais íntimo, belo e feio dentro de mim. E de ti. Como abominar erros de português, por exemplo.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Um dos fragmentos de viagem:

"É manhã de Natal, neva lá fora e colocamos os clássicos da Disney pra tocar na sala. Pensei que passar o natal no exterior sem família seria tristíssimo, mas esse hábito que eles têm de comemorar a data na manhã do dia-de-fato e não na noite anterior ameniza muito as coisas. Eu sempre falo do sol e pra mim ele de fato consegue iluminar qualquer situação. Claro que às vezes a luz não transborda os cômodos aqui dentro e nem consegue penetrar tão fundo pelas frestas, mas ainda assim é luz. Ao menos penumbra, ao menos sombras, silhuetas, não a escuridão.
Como eu dizia, a manhã ensolarada lá fora ainda mais clara pela neve espalhada pela rua e os clássicos de natal da Disney trataram de aquecer a sala. E confraternizar em inglês com sotaque italiano, espanhol, francês, australiano é sem dúvida uma experiência rica demais pra eu deixá-la se perder na sombra. Afinal de contas, como eu falei, há sol. E neve branca."

Londres, 25 de dezembro de 2010.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Ponto Final

Pontos finais aparentemente são o grafismo mais simples. Podem ser ridicularizados ao lado da imponência de exclamações e interrogações e mesmo as vírgulas parecem esteticamente superiores. Mas eles, os pontos finais, doem. Por isso mesmo, devem ser utilizados com sabedoria. Um ponto final quando, mal colocado, gera especulações sobre a razão de estar ali, justamente onde a história se desenvolvia tão bem. Quando fazia sol e estávamos perto do mar.
Às vezes a gente pensa que o desenrolar das tramas fúteis e pessoais precisa respirar (talvez nós mesmos precisemos respirar um pouco sozinhos) e enche os períodos de pontos finais. É claro que nessa situação, eles não são finais de fato e isso é bem complicado porque o poder de um ponto final consiste exatamente na determinação que ele dá a uma situação: O fim maiúsculo e singular. A partir do momento em que O ponto final se transforma nos pontos finais, ele não impõe mais o menor respeito e lá pra frente mesmo quem cravou o ponto ali não vai mais acreditar que ele significa alguma coisa. 
Bonito mesmo é ver uma história correndo-pensando que é luz e se desenrolando esticando até o limite linhas e construções absurdas se transformando em parágrafos selvagens sem interrupções e ninguém realmente se preocupa com isso porque se o enredo é bom quem vai lembrar dos pontos finais quem precisa respirar se a idéia agora é só o pirar mesmo sem res nenhum?
Pingando pontos finais aqui e ali, eu já me acho meio ridículo. Mas a preocupação mesmo é com a maiúscula-singular, com O ponto final que eu creio e espero que esteja longe, tão longe que nem as construções mais loucas nos parágrafos mais longos conseguirão alcançar tão cedo.


Só escrevo

Só escrevo quando há tristeza. A julgar pelo tempo sem letras-palavras-linhas-sentimentos, essa é uma excelente notícia.

domingo, 5 de junho de 2011

Aquele show triste com músicas tristes

Ontem eu fui praquele show triste com músicas tristes. Pior: fui praquele show triste com músicas tristes mesmo sabendo e-xa-ta-men-te aonde isso ia dar. Tudo ficou uma bagunça.
Vai chover de novo, com isso eu concordava. Mas a chuva já não ia trazer você pra mim. Que pelo menos jorrasse e levasse toda a tristeza e agonia pra longe pelos esgotos imundos da cidade. Quero ser limpo. Só que a letra prosseguia e vem cá que tá me dando uma vontade de chorar e a água começa a nascer não lá fora, mas no de dentro de mim e brota abundantemente. Entro numa trip dessas que a gente curte sozinho e consigo lembrar bem que hoje de novo eu deixei o sagitário em mim falar e te liguei: não faz assim, não vai pra lá. Era demais esperar que você cumprisse o que prometeu. E nem prometeu porque eu pedi, prometeu porque quis prometer. Meu coração vai se entregar à tempestade era quase um grito.
Eu podia ter continuado a ver luzes pela noite, mas tenho preferido o escuro. Claro que eu cheguei a pegar o telefone, mas quando a gente tá sozinho e pára pra pensar, às vezes descobre umas coisas que estavam lá o tempo todo e ninguém viu. Porque a dor de te imaginar solto com as luzes vermelhas no rosto é muito maior do que a dor simples e pura de estar sem ti. Vem angústia por coisas que eu imagino verdades e que se verdades forem, nem angústia são dignas de causar. Já não sei mais. Foi só amor, ou medo de ficar sozinho outra vez?

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Liberdade (?)

A gente se desdobra pra alcançar a liberdade, despedaçando tudo o que havia de sólido. Tem aquele ditado que diz que o importante não é o destino, mas o caminho percorrido até; e é mais ou menos assim mesmo. A liberdade chega a galope e não se sabe onde colocá-la, como se deve usá-la. Faltam as certezas, falta a segurança familiar naquele colo que eu cansei de conhecer.
E isso não é exatamente a ausência de liberdade? Digo, ela está aqui, latente, mas me escorre enquanto não saio do lugar. Agora tenho asas, mas meus pés estranhamente continuam amarrados àquelas pedras impossíveis. A pergunta cabível já não é se eu posso voar, mas se realmente quero fazer isso.
Os diamantes devem mesmo parecer muito mais brilhantes antes de estarem bem nas nossas mãos. 

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Ideal

Eu te construí. Foi assim mesmo, seco e simples. Para além da idealização quando não se voava ainda tão alto, eu te fiz nos detalhes. É como se pegasse a pedra já naturalmente brilhante (isso não me atrevo a negar) e lapidasse, valorizando aqui e ali e escondendo as outras partes.
Chegam os fins. Um causa orgulho, até me distancio pra ver melhor. O outro é doloroso porque afinal equivale a jogar fora o meu próprio esforço e quebrar a obra em mil pedaços. Te quebrar em mil pedaços.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Ser de sagitário

O cavalo e o arqueiro sempre foram muitíssimo diferentes. Mas já havia tempo estavam assim, irremediavelmente unidos pelo tronco. Não era algo fácil de descosturar, a ligação incluía vísceras e a essa altura, também o coração. A metamorfose aglutinou os dois aparelhos cardíacos e agora parecia que um único órgão era responsável por bombear sangue e vida aos dois corpos hibridizados.
Chegou um dia e o cavalo precisou ir pra longe. Podiam aparecer mil desculpas, promessas de vida melhor, mas lá no fundo o cavalo sabia mesmo que ir embora fazia parte de um ritual particular e instintivo; sua natureza selvagem chamava. O arqueiro não gostou da idéia. Separar-se parecia loucura e podia acabar resultando na morte dos dois. Ou mais provavelmente de um, o que ficasse sem o coração. Decidiram ir juntos e atravessaram mares, florestas e cidades e foram a terras onde se falavam línguas impossíveis.
Foi um tempo de aventuras e tristeza. O cavalo queria correr pelos campos e relinchar com os outros cavalos que encontrava pelo caminho, livres. Mas o arqueiro tinha rédeas curtas. E o cavalo de fato precisava disso para sua própria segurança, pois o caminho era verde, mas as noites escondiam abismos e pedras afiadas. Os desentendimentos eram grandes, mas arqueiro e cavalo sabiam que tinham que ficar juntos. E ficaram.
Não que as coisas tenham sido fáceis. Aconteceu mesmo de o arqueiro se zangar com as impulsividades selvagens do cavalo e procurar o calor de braços humanos. Para o cavalo, a jornada resultou em uma das lições mais tristes que aprendera em seus vinte e poucos anos. Percebeu que correr pela relva às vezes não é o suficiente e precisava mesmo de um estábulo conhecido e com palha quente. Precisava mesmo do arqueiro e de suas rédeas pra lhe dar equilíbrio e evitar tombos maiores.
Voltaram diferentes, o arqueiro e o cavalo. O animal tem o couro dilacerado pelas cordas que o prendem, as feridas sangram. O arqueiro tem medo de cair e puxa mais forte para manter o controle. E chega um ponto, quando se menos espera, que tentar aprisionar a parte animal do centauro faz com que ela se descontrole ainda mais e sonhe em correr ainda mais rápido e pular ainda mais alto.
Ser de sagitário não é conviver com dois em um único corpo, mas com três. Há o id animal e o superego humano em uma batalha que não acaba até a morte de um deles. Ou dos dois. O ego é o que sagitário tem de mais puro, um diplomata evitando a desgraça e ruína dos dois. Dos três.
O cavalo queria se ver livre das celas (e quem sabe do próprio arqueiro). Procurava por outros cavalos, aqueles que não tinham arqueiros, e sentia inveja e pena deles. De uma maneira ou de outra, o cavalo precisava disso: da aventura, do calor pulsando na companhia de seus iguais. Quer o arqueiro quisesse, quer não.
Nesse jogo de liberdade, o cavalo quase chegou a criar asas antes de, desesperado, o arqueiro pegar a sua lâmina mais afiada – são tantas! – e desferir um golpe na própria cintura para separar homem e bicho. Até agora, não se sabe o que aconteceu aos dois (ou ao um). O centauro deita no próprio sangue e ainda é muito cedo pra dizer se a ferida pode cicatrizar ou se animal e humano estão agora separados. E se for esse o caso, se ainda irão viver.

Disparo

Chega uma idade e a gente parece que se encontra em um plano cartesiano onde somos a reta-distância-mais-curta-entre-dois-pontos que precisa estar ascendente-pra-sempre sem tempo de cair – seja de tristeza, de dor ou de porre mesmo – porque afinal somos adultos responsáveis e pelo amor de Deus coloque essa cabeça no lugar senão você vai. Mas eu não quero já são vinte-e-um-anos-agora e quer saber o que mais eu não fazia a menor questão de entrar nessa paranóia de procurar concurso público e virar as madrugadas trabalhando e ganhar muito dinheiro porque afinal já são vinte e um e eu preciso sair de casa e arrumar um lugar pra morar ser independente enfim tomar rumo você sabe. A partir de agora somos eu e você e o que a gente conseguir construir juntos nem que pra isso seja preciso nunca mais rolar escada abaixo feliz porque essa noite você já nem cabe mais dentro de si nunca mais cabelos coloridos nunca mais pintar fora dos limites nunca mais sonhar em ser feliz nunca mais. Daí você se prende e se amarra na superfície gritando seco – às vezes a voz sai – implorando pra não te tirarem de lá mas as pessoas são assim mesmo elas querem te apresentar a maturidade a independência o progresso a felicidade e te puxam pra luz pro mundo real tiram a mamadeira da sua boca te levam pra longe daqui olha que orgulho você vai dar mas tira esse all star velho e as calças vermelhas porque você já não é mais criança quantas vezes eu vou precisar dizer? Mas eu ainda mantenho alguns momentos meus vez em quando escondido eu pinto a cara e brinco que não tenho responsabilidades nem medos só que dura pouco e sempre acabo pegando no sono não antes daquele quarto de hora com pensamentos só nossos em que consigo entender que só é possível crescer pra cima amputando os braços, as pernas e as asas que cresciam nas laterais.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Nossa geração não manda mais cartas, mas temos e-mail

- Esse livro da Nara que eu tenho aqui, eu comprei pra ela. Não lembro exatamente em que ocasião. Talvez fosse Natal, ou aniversário ou mesmo nada, porque eu adorava dar presentes sem motivo. Eu lembro que nessa época, seja lá qual for, ela me mandava todos os dias alguma música da Nara e só falava no quanto aquela voz era linda, o dia todo. De todas, as que mais marcaram foram 'tristeza de nós dois' e 'mentiras'. Não preciso explicar porque são auto-explicativas. Faz tempo que eu não escuto. Aliás, faz muito tempo de muita coisa. Inúmeras músicas que foram minhas preferidas, livros que eu morria de vontade de devorar. Antes era como se as horas tivessem parado. Agora não. Eu entendo a vida de outro jeito. O tempo não parou, continua correndo e a vida também. Acontece que... é difícil de explicar. Tem umas pedras gigantes em cima de algumas partes de mim e por conta disso, essas partes nunca vão voltar a ser livres como foram. Eu tava pensando... o que me dá ódio não é ela ter ido embora e ter deixado meu coração totalmente... não! ter me deixado sem coração, porque naquele dia 21 de março, quando ela me olhou e disse 'já chega', o meu coração saiu pela boca e nunca mais voltou pro lugar dele. Já me acostumei sem um coração. O que me tira do sério é querer voltar a viver e as pedras que ela deixou em mim, não me permitirem. Eu digo isso, porque quando te li falando da Nara, lembrei que tenho esse livro dela aqui, que eu nunca li mas sempre tive muita vontade. Daí eu lembro das minhas velhas vontades, pego livros como essa biografia e na hora que eu abro pra ler, parece que sai de dentro dele uma poeira, me sinto suja. Aí eu sinto um buraco bem onde era pra doer meu coração. Tudo bem se terminasse por aí. Mas o mesmo acontece com as músicas, os lugares onde eu vou, as notícias que eu leio, os filmes que eu vejo e os que eu escolho nem ver pra não sentir esse vazio no peito de novo. E assim eu vou (não) vivendo. Hesitando entre músicas, livros, lugares e agora até pessoas.


- Eu acho que seria bonito e heróico te dizer "Segue em frente. Te põe de pé, junta o que te resta e ergue essas pedras". Mas, sabe, acho esse conselho patético. Dizer isso é aquela retórica de quem nunca sentiu de verdade nada parecido com ter um buraco no lugar do coração. Como amigo, eu vou dizer pra deixares as pedras lá. Deixa que criem limo, que façam parte do cenário, que sejam esquecidas e ao mesmo tempo lembradas só pela sua existência ali. Uma hora ou outra, isso vai acontecer. Elas só vão existir ali e te fazer lembrar, não vão mais ter aquelas pontas afiadas que criam dores dilaceradas. Enquanto isso, segue os caminhos pulando por cima das pedras ou dando a volta pra chegar ao outro lado. É uma prática dolorosa, eu mesmo venho tentando e me ralando inteiro feito moleque brincando longe de casa. E queria conseguir te avisar. Mais que isso, queria poder de alguma maneira colocar na tua cabeça que não adianta tentar ignorar as pedras, porque uma hora vamos bater com a nossa cara de idiota bem no meio delas. Vai sangrar abundantemente, vai abrir o que já tinha cicatrizado. A gente tem que tentar se acostumar com a existência estática delas e saber deixá-las ali, paradas. Quando nos aproximarmos demais, é mudar a rota e dar a volta. Também aprendi que não adianta enfrentar uma pedra, bater de frente com ela. Ela é maior e mais forte e mais velha e ela já não sente mais a dor que tu sentes. E pensando bem, quem sabe o lugar da pedra não é lá exatamente onde ela está? Descobrir a sujeira que tem embaixo dela não é nada do que eu quero fazer agora. Deixa que a pedra esconda e mantenha no escuro o que ela guarda porque pra mim, pra nós, ainda temos um resto de sol.  

Sobre o livro da Nara, vou ler e te contar todas as histórias e te tirar os medos e os rancores.

Clarinha,

Não sei se você já sabe, mas tenho um trabalho novo. Acredito que os nossos maiores medos sempre estão de alguma forma relacionados à adequação. Hoje que tô crescido, uma das minhas angústias é não encontrar o meu lugar profissionalmente falando. Palavrinha asquerosa essa, "profissionalmente". Parece coisa daquela gente séria demais, endurecida pelos anos e pela caretice.
Mas eu falava sobre o trabalho novo. É em um museu, olha que simpático. E naquele museu pertinho da nossa casa, aquele cheio de bichos e árvores com mais anos e marcas do que podemos contar. Você não imagina a delícia que é sair da frente do computador pra dar uns tragos no meio da tarde e bater de cara com as cutias-curiosas ou com o passarinho mal-encarado que só quer saber de bicar os fumantes desavisados.
Pois é, hoje fui entrevistar uns pesquisadores que trabalham nos cafundós do estado e estão na cidade. Paleontólogos. Como lembrei de você, Clarinha. Já faz tempo, eu lembro que você queria ser paleontóloga e ficou frustrada porque não existe o curso de "paleontologia" por aqui. Vou te contar uma notícia boa: eles todos são formados em história, e história você pode fazer a hora que quiser. 
Paleontologia. Engraçada essa profissão e engraçado você querê-la ainda tão cedo. Quem sabe você já sabia, a gente já sabia, exatamente onde devia procurar: no que tá acabado, passado, morto. Eu vejo tanto disso em você. Vejo ao encarar os seus olhos tão jovens e cheios de melancolia e tintas negras. Vejo no seu corpo de menina que grita encolhido não se sabe bem pelo quê. Vejo nas suas nostalgias de carnavais com serpentina e fogueira, mar e sol. 
Vejo uma garota que prefere mesmo o escuro das cavernas e a segurança do passado. A Clarinha que se perde em escavações vasculhando a jovem memória de quinze anos e buscando por saudades. Um segredo: os pesquisadores que entrevistei hoje me contaram que a paleontologia é sim uma ciência que estuda o passado, o morto, mas que também serve pra desvendar o futuro. O caminho é mesmo de esburacar o chão em busca do que foi pra construir coisas novas e brilhantes. Então sacode essa poeira e sai, porque as cores são Claras e o mundo é todo teu.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Meio cheio

Porque essa carência toda não pode vir de lugar nenhum. Essa vontade descontrolada de me deixar cair mais e mais fundo no teu colo até me afogar entre os cheiros e os pêlos e as vísceras. Mas não me leve a mal, é só que no meio dessas noites quentes trancado em casa, percebi algo que tá me doendo de verdade. Foi assim como uma epifania. E-pi-fa-ni-a; nossa, como eu gosto dessa palavra. É daquele tipo que diz tanto e soa bonito feito música, mas não parece prepotente. Acho lindo isso das coisas que conseguem ser grandes e imponentes e ao mesmo tempo simples. Mas eu dizia que fiz uma descoberta daquelas, pura e latente: nunca fui o favorito de ninguém. Não que eles não gostassem de mim, mas sabe aquela sensação de que falta algo nessa relação maluca? Desde o mais longe que as lembranças conseguem me levar até a última meia hora. Talvez por isso eu tenha toda essa dificuldade de mostrar afeto e essa frieza. Desculpa se eu cobro tanto e dou tão pouco em retorno, se eu nem sempre tô por perto... É que eu simplesmente não sei bem como fazer essas coisas, vou aprendendo aos poucos. Eu acho que você sabe como é difícil a gente se acostumar com sentimentos novos, e quando se trata de uma vida sem afeto que de repente te cobra ser alguém afetuoso, as coisas são ainda piores. Mas aos trancos e barrancos eu sigo e um dia chego ao topo dessa montanha. Só não desiste de mim no meio do caminho.

domingo, 24 de abril de 2011

Sobre dormir só

Nos últimos três dias, essa minha cama-de-solteiro-com-molas-lhe-saltando-o-colchão parecia tão pequenina. Chegou ao ponto de considerarmos mesmo a possibilidade de ruptura dos nossos corpos dolorosamente encaixados, fundidos em espaço tão diminuto. Você até levantou suado, cheio daqueles cheiros que são tão seus, reclamando mais pra si mesmo do que pra mim e dizendo que dormiria na rede. É claro que você não chegou a fazer isso.
Hoje fico sentado aqui na mesa, olhando pela janela, vez em quando acendo um cigarro e não durmo. A caminha parece grande, como um poço que vai me sugar pela noite escura sem que eu tenha um ombro pra me aconchegar. A simples possibilidade de deitar pra descansar já me cansa demasiado.

No heart, no home

A vontade é partir pra um lugar bem longe e começar tudo de novo. De preferência, um lugar com sol e mar e muitas, muitas cores. Agora sinto necessidade, ne-ces-si-da-de de não ver ninguém conhecido, não conversar as trivialidades de sempre pra evitar os pontos dolorosos que realmente importam. Desse desespero, desse não querer mostrar a cara suja de uma lama que não sai nem com banhos e sais gregos e antigas poções, nasce a vontade de voar pra longe daqui. Mais uma vez.
Vontade de sair pra procurar algo que eu evidentemente ainda não sei o que é. Não seria a primeira jornada e muito menos a primeira frustração. Quem tá confortável respirando-comendo-reproduzindo-morrendo não imagina como dói cruzar um oceano em busca de e não encontrar. É essa insatisfação, esse tumor que cresce em algum lugar da alma e me cria bolhas vazias que não consigo preencher nem com a areia dos desertos de Marraquexe, nem com a neve húngara e nem com o verdadeiro amor. Dei centenas de voltas e ao final o meu único desejo era retornar ao lar. Mas o lar estava diferente e eu mesmo estava diferente. Não tem mais pra onde voltar, ou pra onde ir, ou pra onde nada.
Li uma vez em um ônibus de Dublin que “Home is where our heart is”, e concordo plenamente. Isso no caso de existir home e existir heart em você, meu bem. Mesmo quando você não consegue identificar muito bem o home, porque ele tá embaixo de lodo e cheio daquela sujeira que as pessoas teimam em criar, sempre tem o heart. O heart é a bússola mágica que aponta direto pro sossego, pro conforto, não tem uma música que fala sobre isso?
Mas aí o heart de repente se despedaça em milhões de fragmentos afiados e você se fode. Isso acontece quando a gente tá completamente desprevenido, é como aquela história com os problemas "não adianta se preocupar, as piores coisas acontecerão em uma tarde amena de quinta-feira, quando você menos espera". Não tem maneira melhor de descrever, você se fode mesmo, se fode daquele jeito de ficar na merda e entrar na paranóia do ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor. Porque, deixa eu te contar um segredinho, o home não existe sem o heart, querido. Você tá acompanhando? O heart constrói o home, se você não tem o heart, você não tem mais porra nenhuma e perceber isso vai te machucar de uma maneira que é difícil de explicar.
Daí, sem bússola, vem aquela necessidade da qual eu falava há pouco, aquela ne-ces-si-da-de de partir pra um lugar bem longe e começar tudo de novo. Patético. Como se eu já não tivesse partido, já não tivesse estado lá e voltado, como se eu já não soubesse exatamente o que me espera.

Ensino Inferior

O que se espera de quem olha à sua volta e vê que todos são diferentes é resignação. Não é o meu caso. Não sei se li Caio Fernando Abreu ou horóscopo demais, ou se me empolguei na onda de Cazuza e Cássia Eller…, mas o fato é que loucos são os outros. Não confio em quem deixa bem claro que já encontrou o caminho certo na vida, em quem leva o seu potencial muito a sério e por isso acredita ser o último biscoito do pacote. Pois é, enquanto estudante de publicidade, estou cercado de gente assim. Por mais que eu curse uma universidade pública, por mais que seja envolvido com o movimento estudantil… É um bando de designer-blogueiro-hypado-com-franjinha-pro-lado que sai distribuindo opiniões a torto e a direito e não se dá conta do que acontece bem debaixo do seu nariz. 
Quem sabe não é uma inveja (negativíssima pra mim) que sinto deles, dos outros? Inveja porque tenho milhões de neuroses, compulsões, disfunções, dores me martelando a jovem cabeça universitária egoísta di-a-ri-a-men-te. Já os outros ouvem de um professor que publicitários são criativos, são a nata, são convidados a coquetéis e as súper-mentes que movem o capitalismo (que eles costumam venerar, inclusive). Que são inteligentíssimos por terem conseguido uma vaga no ensino superior e concorrem por um lugar no mercado de trabalho (como eu odeio essa expressão, “mercado de trabalho”). E acreditam piamente nessa baboseira - claro, é exatamente o que queriam ouvir. Daí se exaltam no twitter/blog/qualquer coisa que o valha, sempre esquecendo uma vírgula aqui, uma crase ali (a excelência gramatical dificilmente é o seu forte). Acríticos.
E eles, os outros, permanecem em um joguinho de exaltações mútuas nojento e são desumanos e cruéis nos julgamentos de quem roda fora da roda. Não aprendem em nenhuma sala de aula, curso, estágio, palestra, simpósio, congresso etc o que deveriam aprender com o dia-a-dia universitário, com as trocas com movimentos sociais, na mesa do bar na periferia da cidade grande.
Definitivamente, esse não é o meu lugar.