quarta-feira, 16 de novembro de 2011

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Só o Chico

Por mais que algumas vezes, ou quase sempre, eu reme contra, a vida tem dado um jeito de trazer dias de sol pra cá. Olha que lugar-comum eu vou falar agora, mas é isso mesmo, é nas pequenas coisas que a gente consegue se apoiar e quando se dá conta, está quase de pé outra vez. Ainda meio trêmulo, caindo aqui e ali, mas caminhando com as próprias pernas.
Já reconheço que existe vida além e realmente consigo me interessar por outras casas, pessoas, comidas e assuntos. Li outro dia que o sagitariano é interessante por ler muito, ou ouvir muita música, ou ver muitos filmes, ou tudo isso ao mesmo tempo. Esse tipo de coisa ajuda a tirar a gente lá do fundo.
São pequenos encontros que de repente se tornam tão interessantes, que. Lembra quando a gente encontrou a Maria Bethânia meio bêbada no avião, ainda naquele primeiro dia, e logo em seguida, todos aqueles bárbaros tão doces cantaram Atiraste uma Pedra, e "você gosta dessa música?"? Claro que gosto, ela diz tanto... E essas pequenas descobertas são como explosões que me fazem querer conhecer mais das tuas músicas, dos teus filmes, te mostrar mais um pouco dos meus livros.
Já é possível até deixar escapar algumas confissões. Primeiro, eu não queria nem ouvir quando você disse que os novos paulistas não têm peso, eu protestei. Mas aí quando a gente compara Jeneci, Tiê, Tulipa e Roberta Sá a Caetano, Bethânia e Gal, eu até que entendi o seu lado e não que eu concordasse inteiramente, mas resolvi ficar calado porque qualquer opinião mais extremada ali seria meio burra. E como é difícil alguém conseguir me fazer ficar calado, falo isso da maneira mais positiva possível, compreende?
Daí aparece a Maria Rita e admitimos que ela não é tudo isso, mesmo sendo tudo isso algumas vezes. Vejo aquela versão e "não, ninguém pode interpretar o Chico além do Chico. E da Bethânia, mas só ela". E nesses momentos, nesses momentos pequenos, querendo se passar por desimportantes, eu percebo que me dá vontade de rir, de rir de verdade. Sem fingimento, sem olhos marejados, eu de fato quero mostrar os dentes e pensar que só o Chico pode cantar as músicas dele pra mim enquanto ganho um cafuné. 
E que bom conseguir enxergar esse tipo de coisa, que bom conseguir ver que ainda existe alguma espontaneidade e que ainda existe vontade de sorrir vez em quando. Que bom que nem tudo tá assim tão seco quanto eu imaginava.


segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Acima da saudade, do tesão, das conversas, o que me leva mais lá no fundo é essa sensação de desamparo. Porque assistir um filme desses que te deixam sentindo indefeso e com vontade de gritar desesperadamente pra que alguém entenda o que tu estás sentindo e te dê um abraço, te faça um chá, apareça com alguma pílula ou qualquer coisa desse tipo e não ter a quem recorrer dói. 
E antes eu recorreria a ti. Ainda é o teu número que eu chego a discar no celular antes de desistir. E ele nem tá mais gravado na agenda, queria que fosse fácil do mesmo jeito tirá-lo da cabeça. É esse desamparo o que mais dói, essa sensação de não ter pra quem ligar em uma madrugada de segunda-feira depois de ver um filme daqueles. É, é isso o que mais dói.

Vai passar

"Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa."


Caio F.

Inverno


No dia em que fui mais feliz, eu vi um avião. E ele não se espelhou no seu olhar até sumir. Na verdade, ele se espelhou no meu olhar, porque eu era o único par de olhos ali. O único que tinha algum sentido, eu quero dizer, porque em um aeroporto internacional de uma capital européia, a gente encontra todos os tipos de par de olhos. São azuis, arregalados, negros, puxados, sonolentos, radiantes ou encharcados de lágrimas. Mas de olhos que realmente importassem pra mim ali no meio de toda aquela gente, só mesmo os meus.
E os meus estavam embotados por uma ansiedade que eu nunca havia sentido antes. Ansiedade que me fez passar a noite em claro fantasiando o dia seguinte, o dia que você ia me receber com os braços abertos e eu ia ouvir a sua voz de novo, de novo no meu ouvido, sem telefone, computador ou qualquer máquina entre a gente. Era assim que eles estavam, os meus olhos, cansados e sonolentos pela madrugada insone, mas vidrados no avião. Aquele avião enorme que me tiraria dali e me levaria de volta pra casa. Home is where the heart is, lembra?
Eu embarquei e a sensação que eu esperava, a sensação que todos esperavam de mim era guardar com saudade aqueles lugares frios, guardar as águas termais de Budapeste, as construções milenares atenienses, guardar comigo o gosto do café e dos cigarros de Paris e as canções daqueles fins de tarde venezianos. Guardar comigo aquele crepúsculo na Piazza Spagna em Roma e a valsa vienense tocando, todos aqueles espetáculos... Eu ao menos poderia ter olhado praquilo tudo, praquele país, praquele continente inteiro e lamentado um pouquinho porque, quem sabe?, aquela poderia ser a última vez que os meus olhos embotados miravam essas coisas.
Mas não importava. Lembra que eu te fiz uma ligação logo antes de embarcar? Eu disse que tinha perdido uma conexão e que só poderia voltar na semana seguinte, mas é claro que você não acreditou. Não acreditou porque mesmo sem conseguir ver os meus olhos marotos contando mentiras, você podia ouvir a minha voz entusiasmada. E eu era inteiro felicidade. Eu não cabia em mim, aquela sensação de te ver ainda essa noite, de te abraçar e sentir o teu cheiro de novo, aquela idéia de que finalmente passaríamos mais uma noite juntos, como antigamente. Sem dar boa noite pelo computador, sem dormir te olhando através daquela tela ao lado da cama e acordar aflito no meio da noite porque a conexão com a internet caiu.
Eu vi o avião e foi ali que começou a felicidade. A partir daquele momento, eu tinha certeza que o antigamente voltaria. Embarquei e comecei a chorar no mesmo instante. Ninguém nas poltronas do meu lado, tiraram a criança italiana que não parava de chorar da fileira atrás de mim, as opções de filme eram razoáveis. Paz. O avião nem tinha deixado o solo e a minha cabeça já havia cruzado o oceano, como tantas vezes antes.
Senti frio e pensei que aquela era a última vez. A última vez que eu sentiria frio, porque logo mais... As lágrimas continuavam caindo e eu não fazia o menor esforço para cessá-las porque elas eram boas, eram de pura felicidade. Eu já estava olhando aquele velho continente de cima e logo ele começou a se afastar, o oceano estava aos meus pés, eu acompanhava na tela em frente à poltrona a distância que faltava, e era tanta, e demorou tanto, e foi tanto-tanto. Mas chegou e eu não podia acreditar, Brasil de novo, eu podia conversar e ser entendido sem maiores complicações e, meu Deus, você estava logo ali fora da sala de embarque bem do jeito que eu te deixei. Como antigamente.
Mas a fila da imigração estava impossível e as pessoas queriam conversar, mas meus olhos não se concentravam nelas, eu olhava o duty free e pensava no perfume que poderia comprar pra te agradar. Não mais um presente, já eram tantos, mas pra eu usar, porque eu queria que você gostasse do meu cheiro mais uma vez, como antigamente. Não achei o perfume, “moço, o senhor tem flores?”, não havia flores. A fila impossível, “próximo!”, era minha vez; “Bem vindo ao Brasil, senhor”. O coração disparado, dis-pa-ra-do.
Eu olhava pelo vidro e não te encontrava, meu Deus, aconteceu alguma coisa? Seu vôo atrasou? Você não estava esperando por mim,eu ficaria sozinho ali? As malas não chegavam, pedi ajuda pra funcionária da companhia, “por favor, as minhas malas”. Não havia mais bagagens nas esteiras, talvez seja uma dessas separadas aqui no canto. Era. Peguei correndo, a saída era logo ali, logo ali estava você, logo ali na saída. As lágrimas se anteciparam e chegaram antes de mim.
Mas os homens queriam revistar as minhas malas, “por que duas tão grandes , senhor?”. Foram meses fora, meses, vocês entendem?, meses sem você, meses sem tantas coisas. E foram meses de inverno, meses de neve, então é claro que são tantas malas, porque têm casacos e botas, além dos presentes, muitos presentes. Porque eu gosto de dar presentes e eram tantas as coisas que me lembravam você...
Finalmente, saí e você estava ali. A gente não precisou se olhar, a gente queria a pele, o toque, o cheiro. E foi um abraço, foi o melhor abraço da minha vida, você lembra? Posso ter milhares de reclamações sobre tudo a nosso respeito, mas a intensidade... Aquele abraço que me fez esquecer malas, computador, tudo que antes valia alguma coisa estava perdido, éramos só nós dois naquele saguão cheio. E as palavras faltaram, as mãos não sabiam onde ficar, só procuravam pelo teu corpo, pelo teu rosto. Um cigarro. Dois cigarros. No terceiro, a gente já conseguia conversar e o sorriso não saía do rosto, lembra? Como antigamente.
Você chamou o táxi. Você resolveu tudo, e isso é uma das coisas que me fez enlouquecer de amor, e você sabe perfeitamente disso. Eu não sabia de hotel, não sabia de praia, não sabia de jantar, não sabia de nada. Eu não sabia de música e nem de pétalas de rosas pela cama. Ali estava a felicidade, nesse não se importar por não saber. Mais, nesse fazer questão de não saber, nesse confiar de olhos vendados (literalmente, lembra?). Felicidade. Fe-li-ci-da-de.
A ligação pros amigos, “já estou no Brasil, aproveitem essa festa de aniversário no sítio. Divirtam-se, amo vocês. Dentro de dez dias,”. Era aquele momento, aquilo era a felicidade. Aquilo era antigamente. Aquilo foi pelo que eu vivi os últimos meses. Mas passou. Como tudo, passou. O antigamente ficou pra trás, como tinha de ser. Ainda assim, esse foi o dia em que fui mais feliz. Foi o dia em que eu vi um avião, o resgate que me levou de volta ao antigamente, me levou pra onde o meu coração estava, me levou pra casa.  

sábado, 5 de novembro de 2011

Talvez

Ontem eu entrei naquele torpor de quem bebe cerveja e escuta Chico Buarque demais. E por alguma saudade que anda incoerentemente perdida aqui dentro, afastei as cortinas negras que coloquei entre nós já há tanto tempo. Talvez nem seja assim "tanto tempo", mas o fato de já não sair mais muito sangue do corte, de ele já não estar mais quente e latejando a ponto de doer profundamente, faça com que esse tempo que passou me pareça assim, "tanto". 
Então foi assim, no meio do torpor de quem bebe cerveja e escuta Chico Buarque demais, eu afastei as cortinas negras. Esperava que elas revelassem qualquer coisa de bonito, qualquer coisa que fosse me matar de saudades, qualquer coisa que fosse abrir de novo a ferida e me causar dor até a loucura. Mas não foi assim.
Ele mudou. O que é natural, eu mesmo mudei. Me referir a ele assim, na terceira pessoa do singular, é uma das resoluções de mudança. Ontem eu li em algum lugar uma frase que dizia mais ou menos assim "tudo o que fazemos na vida é para sermos um pouco mais amados por alguém". É a mais pura verdade. Mesmo que esse amor venha de nós mesmos. É o tipo de coisa que a resolução da terceira pessoa do singular tá fazendo comigo, me ajudando a me amar um pouquinho mais. 
Mas o que eu dizia é que as cortinas negras revelaram uma pessoa diferente. Diferente em certa medida, porque eu acho que na verdade essa pessoa revelada pelas cortinas negras estava lá em algum lugar o tempo todo e eu sabia disso, só não conseguia mais ver. Porque isso é uma coisa muito clara pra mim hoje, eu via nele o que eu queria ver. Afinal, "amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende?". E não ver aquelas coisas que possivelmente sempre estiveram ali foi uma escolha.
O ponto é que assim, afastado, eu consegui ver essas coisas. E achei sujo. 
Vi a transformação de uma pessoa. Transformação em algo que eu considero pior, mas essa opinião não vale de nada porque eu sei o tipo prepotente e dono-da-verdade que sou. Enxerguei alguém quase irreconhecível, alguém que eu talvez tenha quase conhecido ali no começo de tudo. E isso me traz mais uma impressão positiva, porque significa que ele mudou por mim. Seja lá que significado isso assuma, é uma coisa boa pra mim. E agora, eu penso mais no que é bom pra mim do que no que é bom pra qualquer outra pessoa. 
E talvez, no fim disso tudo, ele nem tenha de fato mudado, como eu suponho. Talvez o que as cortinas negras revelaram foi exatamente o que ele era desde o princípio, o que eu não enxergava e o que eu moldei. E agora ele talvez tenha voltado a ser precisamente o que sempre foi antes de eu existir. Na verdade, a pessoa que eu conheci nunca existiu, ela estava na minha cabeça e na capacidade de simulação que ele sempre teve, e em algum lugar lá no fundo, eu sempre soube disso. 
E encarando positivamente, se o objeto do amor nunca existiu, como esse amor pode ter existido? Talvez em mim, talvez esse amor tenha sido inteiro meu e eu apenas precisasse direcioná-lo a alguém. E sendo assim, ele continua aqui, pronto pra ser redirecionado quantas vezes forem necessárias, até todos os cortes pararem de sangrar, todas as dores pararem de latejar e todas as lágrimas pararem de cair.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Meu despedaço,

Que despedaço era a pessoa quando vivia. E viver era a arte de encontrar, dar-de-encontro. Viver esbarrando, deixando o perfume no outro e levando o do outro na roupa. Embebedar de cheiros. Chamar a atenção puxando pelo ombro, pela nuca ou pelas mãos. Segurar firme, misturar o suor. Cair por cima do colo, dar um nó com as pernas. - Que despedaço era você em tudo. Despedaçar era arrancar um pedaço pelo outro, um pedaço seu pelo do outro. Era trocar. E conseguir porque não é assim tão simples. Que você não sabia simplesmente deixar suas partes, mas jogava por cima das pessoas, como num gesto desleixado e preguiçoso, igual quando você se atira no sofá da sala. Também não tinha cuidado de pegar as partes delas que lhe cabia, mas metia as mãos e roubava faminto. Ia colecionando pela vida des-pedaços bonitos, embora pareça feio dito assim. Que não tinha nada de ruim em deixar a cor dos teus olhos azúis pelo mundo nem roubar a transparência daqueles mares pra trazer no bolso. E que o despedaço do amor era viver e disso você entendia. 

- Das tristes Anotações sobre um amor urbano.

Da Bárbara, do café pequeno

Já perdemos mais, já perdemos melhores.
Eu até pediria desculpas por não saber. Por quase nunca saber. E continuar não sabendo, não só sobre a realidade das coisas, das pessoas e do mundo, mas por não saber nunca sobre o caráter escorregadio dessas coisas, pessoas e do mundo. Não sei. Não sei o que tirar de bom de uma perda. De uma grande perda, de uma perda abissal, não há nada, nada que eu possa tirar de bom. Perdas não nos tornam maiores, melhores, não amolecem corações, veja que não, não tem nada de belo nessas grandes perdas. Não há nada de romântico, artístico, renascentista, iluminista numa grande perda. Não há art noveau, não há impressionismo, surrealismo numa grande perda. Depois de uma grande perda, de uma perda enorme, não há nada que compense. Não há recompensa, cafuné, mão na cabeça, colo, calma-tudo-vai-melhorar, sexo-de-reconciliação, bebida forte. Nas grandes perdas, só ficamos mais frágeis. Nas perdas grandes, fotos e nomes se perdem também. Nessas perdas enormes, grandes, nem indignação, que é tão bom que se tenha, sobra. Uma perda grande, uma perda abissal, muito grande mesmo, leva embora muita coisa. Numa grande perda, tudo demora em ser tão ruim. Mas das perdas grandes, uma coisa, uma coisa se aproveita, é saber diferenciar o que é uma perda grande, uma perda enorme, uma perda abissal, sem volta, e o que é uma perda pequena, uma perda  sem valor, uma perda sem foguete, sem retrato e sem bilhete, uma perda tão corriqueira, tão corriqueira, lugarzinho-comum, perdas onde não se chora, nem briga, nem desbriga. Perda grande, perda enorme é quando se perde grandes pessoas, essas que tem a graça da alegria, da vida em sua plenitude e beleza, essas admiráveis, essas que podemos dizer que "nunca conheci igual". Mas quando a perda é grande, é enorme, é gigante, é abissal, maior do mundo, há que se chorar, uivar no telhado de madrugada, brigar e desbrigar, só quando é grande, enorme, gigante, abissal, maior do mundo, só nesse caso. Mas as grandes perdas são poucas, porque poucas são as grandes pessoas.