domingo, 8 de abril de 2012

Sobre respingos e um herói

Aquele momento na hora do porre em que todos os fluidos misturados no estômago querem ganhar a liberdade novamente. Mas você precisa mantê-los ali pelo menos até conseguir chegar a um lugar seguro, onde os pedaços grossos do vômito caindo no chão não respinguem pra sujar a sua cara estragada por todas essas noites desesperadas.
Você sente medo. É preciso segurar os líquidos aqui dentro, contidos até o momento exato. Só que eles começam a apodrecer e a cheirar mal, afinal dentro do seu de dentro não é precisamente o lugar mais limpo e claro do mundo. São tantas mágoas afogadas em tantas bebidas fortes e tantos cigarros que aquilo tudo vira uma ferida infeccionada e a dor é difícil de segurar. Você precisa colocar tudo isso pra fora. 
Só que tem aquilo, os pingos. É como se no momento eu estivesse sentindo essa vertigem em frente a um espelho e ceder às tentações da náusea iria jogar o vômito todo na minha própria cara.
É preciso esperar. Esperar o momento exato, quando tudo estiver limpo e a distância não for mais entre nós dois, mas seja entre mim e mim. Só que é irônico como ao mesmo tempo em que eu espero a sua mão pra segurar a minha cabeça na privada imunda, também imagino o nojo que você vai sentir. O seu desprezo me apavora e eu chego a pensar que se for pro nosso bem, eu seria mesmo capaz de segurar esse vômito aqui dentro pra sempre e deixá-lo apodrecer e me corroer e se tornar tumor e me matar. Se isso for te fazer feliz, eu consigo. 
Consigo aceitar que você transfira os seus próprios fluidos odorosos pela minha boca, garganta e os deposite escondidos naqueles lugares lá dentro que eu penso em nunca te mostrar, por mais que me matem. Parece virtuoso colocado dessa maneira, e eu acho que de fato é. Agora as noites insones estão acabando e eu já começo a me perguntar até quando vou conseguir brincar de herói pra salvar a gente de ti.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Samsara


Samsara pode ser descrito como o fluxo incessante de renascimentos através dos mundos.
Na maioria das tradições filosóficas da Índia, incluindo o Hinduísmo, o Budismo e o Jainismo, o ciclo de morte e renascimento é encarado como um fato natural. Esses sistemas diferem, entretanto, na terminologia com que descrevem o processo e na forma como o interpretam. A maioria das tradições observa o Samsara de forma negativa, uma condição a ser superada. Por exemplo, na escola Advaita de Vedanta hindu, o Samsara é visto como a ignorância do verdadeiro eu, Brahman, e sua alma é levada a crer na realidade do mundo temporal e fenomenal.
Já algumas adaptações dessas tradições identificam o Samsara (ou sa sâra, lit. "seu caminho") como uma simples metáfora.
No vedanta e na maioria das diversas tradições hindus que se fundamentam no Vedanta, o ciclo de transmigração da alma, ou samsara, não é feito exclusivamente do passado para o presente, numa temporalidade linear como a concebida pela cosmologia Ocidental. O ciclo pode se deslocar para qualquer posição no espiral do tempo e, de acordo com as diferentes inferências feitas pelos sábios, em quaisquer Brahmandas, ou universos da criação material, e em quaisquer tipos de corpos, entre as 8,4 milhões de espécies transmigráveis, podendo haver evolução ontogênica ou filogência, nos dois sentidos: elevação e degradação; de semi-deus a larva, de planta a ser humano, e vice-versa. De fato, as possibilidades de transmigração são infinitas.

Samsara como metáfora psicológica
À parte da cosmologia e mitologia tradicional de renascimento do corpo físico no budismo também pode-se compreender este ensinamento como o ciclo de morte e renascimento da consciência de uma mesma pessoa. Momentos de distração, anseios e emoções destrutivas são momentos em que a consciência morre para despertar em seguida em momentos de atenção, compreensão e lucidez. Nesta visão os agregados impuros, skandhas, são levados a diante para o momento seguinte em que a consciência toma uma nova forma.
A meditação budista ensina que por meio de cuidadosa observação da mente é possivel ver a consciência como sendo uma sequência de momentos conscientes ao invés de um contínuo de auto-consciência. Cada momento é a experiência de um estado mental específico: um pensamento, uma memória, uma sensação, uma percepção. Um estado mental nasce, existe e, sendo impermanente, cessa dando lugar ao próximo estado mental que surgir. Assim a consciência de um ser senciente pode ser entendida como uma série contínua de nascimentos e mortes destes estados mentais. Neste contexto o renascimento é simplesmente a persistência deste processo.
Esta explicação do renascimento como um ciclo de consciência é consistente com os demais conceitos budistas, como anicca (impermanência), dukkha (insafistatoriedade), anatta(ausência de identidade) e é possivel entender o conceito de karma como um elo de causa e consquências destes estados mentais.