quinta-feira, 28 de abril de 2011

Nossa geração não manda mais cartas, mas temos e-mail

- Esse livro da Nara que eu tenho aqui, eu comprei pra ela. Não lembro exatamente em que ocasião. Talvez fosse Natal, ou aniversário ou mesmo nada, porque eu adorava dar presentes sem motivo. Eu lembro que nessa época, seja lá qual for, ela me mandava todos os dias alguma música da Nara e só falava no quanto aquela voz era linda, o dia todo. De todas, as que mais marcaram foram 'tristeza de nós dois' e 'mentiras'. Não preciso explicar porque são auto-explicativas. Faz tempo que eu não escuto. Aliás, faz muito tempo de muita coisa. Inúmeras músicas que foram minhas preferidas, livros que eu morria de vontade de devorar. Antes era como se as horas tivessem parado. Agora não. Eu entendo a vida de outro jeito. O tempo não parou, continua correndo e a vida também. Acontece que... é difícil de explicar. Tem umas pedras gigantes em cima de algumas partes de mim e por conta disso, essas partes nunca vão voltar a ser livres como foram. Eu tava pensando... o que me dá ódio não é ela ter ido embora e ter deixado meu coração totalmente... não! ter me deixado sem coração, porque naquele dia 21 de março, quando ela me olhou e disse 'já chega', o meu coração saiu pela boca e nunca mais voltou pro lugar dele. Já me acostumei sem um coração. O que me tira do sério é querer voltar a viver e as pedras que ela deixou em mim, não me permitirem. Eu digo isso, porque quando te li falando da Nara, lembrei que tenho esse livro dela aqui, que eu nunca li mas sempre tive muita vontade. Daí eu lembro das minhas velhas vontades, pego livros como essa biografia e na hora que eu abro pra ler, parece que sai de dentro dele uma poeira, me sinto suja. Aí eu sinto um buraco bem onde era pra doer meu coração. Tudo bem se terminasse por aí. Mas o mesmo acontece com as músicas, os lugares onde eu vou, as notícias que eu leio, os filmes que eu vejo e os que eu escolho nem ver pra não sentir esse vazio no peito de novo. E assim eu vou (não) vivendo. Hesitando entre músicas, livros, lugares e agora até pessoas.


- Eu acho que seria bonito e heróico te dizer "Segue em frente. Te põe de pé, junta o que te resta e ergue essas pedras". Mas, sabe, acho esse conselho patético. Dizer isso é aquela retórica de quem nunca sentiu de verdade nada parecido com ter um buraco no lugar do coração. Como amigo, eu vou dizer pra deixares as pedras lá. Deixa que criem limo, que façam parte do cenário, que sejam esquecidas e ao mesmo tempo lembradas só pela sua existência ali. Uma hora ou outra, isso vai acontecer. Elas só vão existir ali e te fazer lembrar, não vão mais ter aquelas pontas afiadas que criam dores dilaceradas. Enquanto isso, segue os caminhos pulando por cima das pedras ou dando a volta pra chegar ao outro lado. É uma prática dolorosa, eu mesmo venho tentando e me ralando inteiro feito moleque brincando longe de casa. E queria conseguir te avisar. Mais que isso, queria poder de alguma maneira colocar na tua cabeça que não adianta tentar ignorar as pedras, porque uma hora vamos bater com a nossa cara de idiota bem no meio delas. Vai sangrar abundantemente, vai abrir o que já tinha cicatrizado. A gente tem que tentar se acostumar com a existência estática delas e saber deixá-las ali, paradas. Quando nos aproximarmos demais, é mudar a rota e dar a volta. Também aprendi que não adianta enfrentar uma pedra, bater de frente com ela. Ela é maior e mais forte e mais velha e ela já não sente mais a dor que tu sentes. E pensando bem, quem sabe o lugar da pedra não é lá exatamente onde ela está? Descobrir a sujeira que tem embaixo dela não é nada do que eu quero fazer agora. Deixa que a pedra esconda e mantenha no escuro o que ela guarda porque pra mim, pra nós, ainda temos um resto de sol.  

Sobre o livro da Nara, vou ler e te contar todas as histórias e te tirar os medos e os rancores.

Clarinha,

Não sei se você já sabe, mas tenho um trabalho novo. Acredito que os nossos maiores medos sempre estão de alguma forma relacionados à adequação. Hoje que tô crescido, uma das minhas angústias é não encontrar o meu lugar profissionalmente falando. Palavrinha asquerosa essa, "profissionalmente". Parece coisa daquela gente séria demais, endurecida pelos anos e pela caretice.
Mas eu falava sobre o trabalho novo. É em um museu, olha que simpático. E naquele museu pertinho da nossa casa, aquele cheio de bichos e árvores com mais anos e marcas do que podemos contar. Você não imagina a delícia que é sair da frente do computador pra dar uns tragos no meio da tarde e bater de cara com as cutias-curiosas ou com o passarinho mal-encarado que só quer saber de bicar os fumantes desavisados.
Pois é, hoje fui entrevistar uns pesquisadores que trabalham nos cafundós do estado e estão na cidade. Paleontólogos. Como lembrei de você, Clarinha. Já faz tempo, eu lembro que você queria ser paleontóloga e ficou frustrada porque não existe o curso de "paleontologia" por aqui. Vou te contar uma notícia boa: eles todos são formados em história, e história você pode fazer a hora que quiser. 
Paleontologia. Engraçada essa profissão e engraçado você querê-la ainda tão cedo. Quem sabe você já sabia, a gente já sabia, exatamente onde devia procurar: no que tá acabado, passado, morto. Eu vejo tanto disso em você. Vejo ao encarar os seus olhos tão jovens e cheios de melancolia e tintas negras. Vejo no seu corpo de menina que grita encolhido não se sabe bem pelo quê. Vejo nas suas nostalgias de carnavais com serpentina e fogueira, mar e sol. 
Vejo uma garota que prefere mesmo o escuro das cavernas e a segurança do passado. A Clarinha que se perde em escavações vasculhando a jovem memória de quinze anos e buscando por saudades. Um segredo: os pesquisadores que entrevistei hoje me contaram que a paleontologia é sim uma ciência que estuda o passado, o morto, mas que também serve pra desvendar o futuro. O caminho é mesmo de esburacar o chão em busca do que foi pra construir coisas novas e brilhantes. Então sacode essa poeira e sai, porque as cores são Claras e o mundo é todo teu.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Meio cheio

Porque essa carência toda não pode vir de lugar nenhum. Essa vontade descontrolada de me deixar cair mais e mais fundo no teu colo até me afogar entre os cheiros e os pêlos e as vísceras. Mas não me leve a mal, é só que no meio dessas noites quentes trancado em casa, percebi algo que tá me doendo de verdade. Foi assim como uma epifania. E-pi-fa-ni-a; nossa, como eu gosto dessa palavra. É daquele tipo que diz tanto e soa bonito feito música, mas não parece prepotente. Acho lindo isso das coisas que conseguem ser grandes e imponentes e ao mesmo tempo simples. Mas eu dizia que fiz uma descoberta daquelas, pura e latente: nunca fui o favorito de ninguém. Não que eles não gostassem de mim, mas sabe aquela sensação de que falta algo nessa relação maluca? Desde o mais longe que as lembranças conseguem me levar até a última meia hora. Talvez por isso eu tenha toda essa dificuldade de mostrar afeto e essa frieza. Desculpa se eu cobro tanto e dou tão pouco em retorno, se eu nem sempre tô por perto... É que eu simplesmente não sei bem como fazer essas coisas, vou aprendendo aos poucos. Eu acho que você sabe como é difícil a gente se acostumar com sentimentos novos, e quando se trata de uma vida sem afeto que de repente te cobra ser alguém afetuoso, as coisas são ainda piores. Mas aos trancos e barrancos eu sigo e um dia chego ao topo dessa montanha. Só não desiste de mim no meio do caminho.

domingo, 24 de abril de 2011

Sobre dormir só

Nos últimos três dias, essa minha cama-de-solteiro-com-molas-lhe-saltando-o-colchão parecia tão pequenina. Chegou ao ponto de considerarmos mesmo a possibilidade de ruptura dos nossos corpos dolorosamente encaixados, fundidos em espaço tão diminuto. Você até levantou suado, cheio daqueles cheiros que são tão seus, reclamando mais pra si mesmo do que pra mim e dizendo que dormiria na rede. É claro que você não chegou a fazer isso.
Hoje fico sentado aqui na mesa, olhando pela janela, vez em quando acendo um cigarro e não durmo. A caminha parece grande, como um poço que vai me sugar pela noite escura sem que eu tenha um ombro pra me aconchegar. A simples possibilidade de deitar pra descansar já me cansa demasiado.

No heart, no home

A vontade é partir pra um lugar bem longe e começar tudo de novo. De preferência, um lugar com sol e mar e muitas, muitas cores. Agora sinto necessidade, ne-ces-si-da-de de não ver ninguém conhecido, não conversar as trivialidades de sempre pra evitar os pontos dolorosos que realmente importam. Desse desespero, desse não querer mostrar a cara suja de uma lama que não sai nem com banhos e sais gregos e antigas poções, nasce a vontade de voar pra longe daqui. Mais uma vez.
Vontade de sair pra procurar algo que eu evidentemente ainda não sei o que é. Não seria a primeira jornada e muito menos a primeira frustração. Quem tá confortável respirando-comendo-reproduzindo-morrendo não imagina como dói cruzar um oceano em busca de e não encontrar. É essa insatisfação, esse tumor que cresce em algum lugar da alma e me cria bolhas vazias que não consigo preencher nem com a areia dos desertos de Marraquexe, nem com a neve húngara e nem com o verdadeiro amor. Dei centenas de voltas e ao final o meu único desejo era retornar ao lar. Mas o lar estava diferente e eu mesmo estava diferente. Não tem mais pra onde voltar, ou pra onde ir, ou pra onde nada.
Li uma vez em um ônibus de Dublin que “Home is where our heart is”, e concordo plenamente. Isso no caso de existir home e existir heart em você, meu bem. Mesmo quando você não consegue identificar muito bem o home, porque ele tá embaixo de lodo e cheio daquela sujeira que as pessoas teimam em criar, sempre tem o heart. O heart é a bússola mágica que aponta direto pro sossego, pro conforto, não tem uma música que fala sobre isso?
Mas aí o heart de repente se despedaça em milhões de fragmentos afiados e você se fode. Isso acontece quando a gente tá completamente desprevenido, é como aquela história com os problemas "não adianta se preocupar, as piores coisas acontecerão em uma tarde amena de quinta-feira, quando você menos espera". Não tem maneira melhor de descrever, você se fode mesmo, se fode daquele jeito de ficar na merda e entrar na paranóia do ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor. Porque, deixa eu te contar um segredinho, o home não existe sem o heart, querido. Você tá acompanhando? O heart constrói o home, se você não tem o heart, você não tem mais porra nenhuma e perceber isso vai te machucar de uma maneira que é difícil de explicar.
Daí, sem bússola, vem aquela necessidade da qual eu falava há pouco, aquela ne-ces-si-da-de de partir pra um lugar bem longe e começar tudo de novo. Patético. Como se eu já não tivesse partido, já não tivesse estado lá e voltado, como se eu já não soubesse exatamente o que me espera.

Ensino Inferior

O que se espera de quem olha à sua volta e vê que todos são diferentes é resignação. Não é o meu caso. Não sei se li Caio Fernando Abreu ou horóscopo demais, ou se me empolguei na onda de Cazuza e Cássia Eller…, mas o fato é que loucos são os outros. Não confio em quem deixa bem claro que já encontrou o caminho certo na vida, em quem leva o seu potencial muito a sério e por isso acredita ser o último biscoito do pacote. Pois é, enquanto estudante de publicidade, estou cercado de gente assim. Por mais que eu curse uma universidade pública, por mais que seja envolvido com o movimento estudantil… É um bando de designer-blogueiro-hypado-com-franjinha-pro-lado que sai distribuindo opiniões a torto e a direito e não se dá conta do que acontece bem debaixo do seu nariz. 
Quem sabe não é uma inveja (negativíssima pra mim) que sinto deles, dos outros? Inveja porque tenho milhões de neuroses, compulsões, disfunções, dores me martelando a jovem cabeça universitária egoísta di-a-ri-a-men-te. Já os outros ouvem de um professor que publicitários são criativos, são a nata, são convidados a coquetéis e as súper-mentes que movem o capitalismo (que eles costumam venerar, inclusive). Que são inteligentíssimos por terem conseguido uma vaga no ensino superior e concorrem por um lugar no mercado de trabalho (como eu odeio essa expressão, “mercado de trabalho”). E acreditam piamente nessa baboseira - claro, é exatamente o que queriam ouvir. Daí se exaltam no twitter/blog/qualquer coisa que o valha, sempre esquecendo uma vírgula aqui, uma crase ali (a excelência gramatical dificilmente é o seu forte). Acríticos.
E eles, os outros, permanecem em um joguinho de exaltações mútuas nojento e são desumanos e cruéis nos julgamentos de quem roda fora da roda. Não aprendem em nenhuma sala de aula, curso, estágio, palestra, simpósio, congresso etc o que deveriam aprender com o dia-a-dia universitário, com as trocas com movimentos sociais, na mesa do bar na periferia da cidade grande.
Definitivamente, esse não é o meu lugar.