sexta-feira, 13 de maio de 2011

Ser de sagitário

O cavalo e o arqueiro sempre foram muitíssimo diferentes. Mas já havia tempo estavam assim, irremediavelmente unidos pelo tronco. Não era algo fácil de descosturar, a ligação incluía vísceras e a essa altura, também o coração. A metamorfose aglutinou os dois aparelhos cardíacos e agora parecia que um único órgão era responsável por bombear sangue e vida aos dois corpos hibridizados.
Chegou um dia e o cavalo precisou ir pra longe. Podiam aparecer mil desculpas, promessas de vida melhor, mas lá no fundo o cavalo sabia mesmo que ir embora fazia parte de um ritual particular e instintivo; sua natureza selvagem chamava. O arqueiro não gostou da idéia. Separar-se parecia loucura e podia acabar resultando na morte dos dois. Ou mais provavelmente de um, o que ficasse sem o coração. Decidiram ir juntos e atravessaram mares, florestas e cidades e foram a terras onde se falavam línguas impossíveis.
Foi um tempo de aventuras e tristeza. O cavalo queria correr pelos campos e relinchar com os outros cavalos que encontrava pelo caminho, livres. Mas o arqueiro tinha rédeas curtas. E o cavalo de fato precisava disso para sua própria segurança, pois o caminho era verde, mas as noites escondiam abismos e pedras afiadas. Os desentendimentos eram grandes, mas arqueiro e cavalo sabiam que tinham que ficar juntos. E ficaram.
Não que as coisas tenham sido fáceis. Aconteceu mesmo de o arqueiro se zangar com as impulsividades selvagens do cavalo e procurar o calor de braços humanos. Para o cavalo, a jornada resultou em uma das lições mais tristes que aprendera em seus vinte e poucos anos. Percebeu que correr pela relva às vezes não é o suficiente e precisava mesmo de um estábulo conhecido e com palha quente. Precisava mesmo do arqueiro e de suas rédeas pra lhe dar equilíbrio e evitar tombos maiores.
Voltaram diferentes, o arqueiro e o cavalo. O animal tem o couro dilacerado pelas cordas que o prendem, as feridas sangram. O arqueiro tem medo de cair e puxa mais forte para manter o controle. E chega um ponto, quando se menos espera, que tentar aprisionar a parte animal do centauro faz com que ela se descontrole ainda mais e sonhe em correr ainda mais rápido e pular ainda mais alto.
Ser de sagitário não é conviver com dois em um único corpo, mas com três. Há o id animal e o superego humano em uma batalha que não acaba até a morte de um deles. Ou dos dois. O ego é o que sagitário tem de mais puro, um diplomata evitando a desgraça e ruína dos dois. Dos três.
O cavalo queria se ver livre das celas (e quem sabe do próprio arqueiro). Procurava por outros cavalos, aqueles que não tinham arqueiros, e sentia inveja e pena deles. De uma maneira ou de outra, o cavalo precisava disso: da aventura, do calor pulsando na companhia de seus iguais. Quer o arqueiro quisesse, quer não.
Nesse jogo de liberdade, o cavalo quase chegou a criar asas antes de, desesperado, o arqueiro pegar a sua lâmina mais afiada – são tantas! – e desferir um golpe na própria cintura para separar homem e bicho. Até agora, não se sabe o que aconteceu aos dois (ou ao um). O centauro deita no próprio sangue e ainda é muito cedo pra dizer se a ferida pode cicatrizar ou se animal e humano estão agora separados. E se for esse o caso, se ainda irão viver.

2 comentários:

  1. Tomaz, parabéns pelo texto. EXATO, sincero e objetivo (claro ao modo sagitariano). E assim se fez um pouco mais clara, a (in)satisfação sagitariana compartilhada.
    ABRAÇOOO.

    ResponderExcluir
  2. Escorpiano seria a história da lança. :)

    ResponderExcluir